Quando, há alguns meses, foi anunciada a balela do Woodstock brasileiro, eu caguei em cima. Pouco depois, foram divulgados os preços. Alardeei o absurdo de se pagar centenas de reais para ver algumas dezenas de shows. E tripudiei sobre o engajamento verde dos organizadores.
Mais alguns dias e vem o anúncio: o Rage Against The Machine tocaria no festival. Lá ia eu gastar centenas de reais para ir até Itu.
Eu tenho muitas “bandas da vida”, apaixonado por música, e principalmente pelo rock, que sou. Mas o Rage Against The Machine é diferente. Até porque não é só música e muito menos “apenas” rock’n’roll. Me lembro quando comprei o meu primeiro disco deles, junto com um do Pavilhão 9, na Pop’s Discos. Tinha 12 ou 13 anos. O Alan me perguntou se era só Killing in the Name que era boa ou o CD todo fazia valer os 15 conto. Disse que achava só ela mesmo, faixa 2. Tinha 12 ou 13 anos.
Aos 15 eu já estava lendo o Manifesto Comunista e a Revolução dos Bichos. E sabia o que era rap, hip hop, funk. Portanto entendia muito melhor o que eram os Rage Against (pra mim nunca foi “Rage”). Mais ou menos nessa época, também, eu comprei o VHS “The Ghost of Tom Joad”. Ficava assistindo no quarto dos meus pais (único lugar da casa que tinha um vídeo cassete) e pulando, feito um maluco – como aquele mar de gente do show que até hoje eu não sei onde foi. Impressionava demais o que fazia Tom Morello com a guitarra. Sonhava, um dia, estar no meio daquela multidão, ouvindo aquele som.
Os anos passaram, minha paixão por música aumentou, assim como a minha revolta contra o sistema. Mas achei que jamais ouviria, ao vivo, o Zack the la Rocha pronunciar aquelas incompreensíveis palavras dos discos.
Era 9 de outubro, quando Daniel, Roberto e eu fomos atrás do nosso sonho de consumo desde a adolescência. Eles, com as namoradas. Eu, com eles. De brinde, ganhamos um show dos Mutantes, outro dos Los Hermanos e mais um dos Mars Volta. Funcionaram como teste.
Ao chegar à tal fazenda, logo descobri que não veria o palco dignamente. Portanto, procurei o lugar onde o som estaria bom o suficiente. Dali, pude ver a estrela vermelha descer e ouvir perfeitamente a sirene que ecoou do palco. Era o Rage Against The Machine!
Testify era a primeira do setlist. A partir dali...
50 mil pessoas olhavam atentamente ao palco, mesmo que não o enxergassem. Ao meu lado, um casal abraçado. Eu sabia que o Daniel estava como eu, o sorriso não deixava esconder. Do outro lado, outro casal dançava e pulava. Veio Bombtrack. E pulei com eles.
Burn, Burn, yes you gonna burn!
Então, Tom Morello tinha o boné do MST. E Zack the La Rocha dizia: por la libertad y la tierra! Começava People of the Sun.
Desde então coisas estranhas começaram a acontecer. O show foi interrompido uma, duas, três vezes. Olhei para o Roberto e ele me disse: tão cortando o som. Puta que pariu!, me revoltei. Pra mim, o corte era político. Do mesmo jeito que o MST -- ou qualquer outro movimento social -- é sufocado nesse país de merda, o Rage Against The Machine estava sendo censurado! Era demais para o sistema... Know Your Enemy, Bulls On Parade... A Rede Globo transmitia aquilo tudo ao vivo, caralho! Nossos candidatos à Presidência da República perdem voto por serem a favor do aborto. Como esses filhos da puta chegam aqui e esfregam na cara dos nossos inimigos a merda que eles cagam todos os dias sobre nossos miseráveis?
A verdade é que toda essa revolta gerava muita confusão lá na frente. A pista VIP estava sendo invadida. Quanta subversão! Quase como chupar um picolé...
Só que a pausa foi perfeita. Como eu precisava mijar! Aproveitamos, Daniel e eu, e mijamos. O tempo que eles não estavam tocando, estávamos mijando, ali na parede mesmo. Parecia que o show atendia às nossa vontades.
O som voltou, um pouco mais dançante, menos pesado. Mas logo veio Bullet in the Head. A partir dali havia a única certeza, de que tocariam Killing in the Name. Vieram outras, como Wake Up, antes do bis. Depois do clímax pré-pausa, este foi um momento inesquecível.
Riff do Led Zeppelin, Roberto se empolgou.
Acorda, porra!
E, então, o bis: Freedom e Killing in the Name.
Motherfucker!, foi a última palavra que pronunciei junto com outros milhares, mas não Zack de La Rocha.
Depois daquilo tudo, era voltar pra casa. Não antes de uma caminhada insana de alguns quilômetros, puxando uns, sendo puxado por outros -- estes contagiantes -- numa subida que não parecia ter fim.
Mas tinha. Era o fim de um sonho, ou de uma grande viagem de ácido, não sei. Só sei que foi assim.
Pedro Veloso
PASSO O PONTO
Há 4 anos