sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Provovação do dia


Lula tem medo dos milicos, mas não da Igreja, ruralistas ou jornalistas. Matéria do Estado e charge do Angeli.




O ESTADO DE S. PAULO - NACIONAL

Lula desiste de novas mudanças em decreto


Mesmo pressionado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende resistir e não fazer mais mudanças no decreto do Programa Nacional dos Direitos Humanos, informou sua assessoria. Ele decidiu que, apesar da reação da Igreja, por causa do aborto e casamento homossexual; dos meios de comunicação, que entendem ser o texto favorável à censura e ao controle do conteúdo; e do setor agrícola, que repudia o item relativo à desocupação de terras invadidas, por enquanto o decreto fica como está.

Segundo um assessor, o presidente considera que o maior problema já foi sanado - a divergência entre grupos de defensores dos direitos humanos e o Ministério da Defesa e as Forças Armadas, por causa da possibilidade de revisão da Lei da Anistia. Como Lula recuou, mudou o texto e determinou criação de grupo de trabalho com a participação da Casa Civil, Ministério da Defesa, Ministério da Justiça e Secretaria dos Direitos Humanos para formular o anteprojeto de lei da Comissão da Verdade, a questão está resolvida, no entendimento de Lula.

Quanto à restrição da liberdade de imprensa e do controle da mídia, Lula deixou recado com a assessoria: "Não brinco com esse assunto. Para mim, não existe democracia sem liberdade de imprensa. O decreto não propõe controle sobre nenhuma mídia. Se propõe que sejam apurados os abusos contra os direitos humanos, caberá aos órgãos responsáveis verificar o que está ocorrendo, como é hoje."

As entidades representativas dos meios de comunicação, porém, entendem que há sim tentativa de restringir a liberdade de imprensa. Para o consultor jurídico da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura, o Programa de Direitos Humanos tem "ilegalidades". Moura lembrou que o texto institui "critérios editoriais para criar um ranking de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de direitos humanos", além de mudanças nas concessões de rádio e TV.

Segundo assessores, Lula avalia que o decreto não se aplica por si só. Se houver necessidade de criar um projeto de lei ou um decreto para que algum indicativo seja cumprido, as partes resolverão as divergências.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, que se contrapôs às críticas do colega da Agricultura, Reinhold Stephanes, e defendeu o texto - com audiência entre os que ocuparem terras antes da reintegração de posse - reuniu-se ontem com Lula. Ele não fez comentários sobre os desacordos em torno do decreto. De acordo com suas assessorias, Lula e Cassel trataram da renegociação da dívida dos pequenos agricultores.

João Domingos

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Bebendo gato por lebre


A cerveja: bebendo gato por lebre
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE


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É inexplicável que sejam tão omissas as autoridades brasileiras quando se trata da bebida nacional mais popular e de maior consumo
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O BRASIL é o quarto maior produtor de cerveja, com pouco mais de 10 bilhões de litros por ano. A China é o maior de todos, com 35 bilhões, e os EUA são o segundo, com 24 bilhões. A Alemanha vem em terceiro, com uma produção apenas 5% maior que a brasileira.
Segundo norma autorregulatória da indústria cervejeira alemã, a cerveja é composta única e exclusivamente por apenas três elementos, cevada, lúpulo e água, tendo como interveniente um fermento. Tradicionalmente, o termo malte designa única e precisamente a cevada germinada.
O malte pode substituir a cevada total ou parcialmente. A malandragem começa aqui. Com frequência, lê-se em rótulos de cervejas a expressão "cereais maltados" ou simplesmente "malte", dissimulando assim a natureza do ingrediente principal na composição da bebida.
Com a aplicação desse termo a qualquer cereal germinado, a indústria cervejeira pode optar por cereais mais baratos, ocultando essa opção.
O poder da indústria cervejeira no Brasil (lobby, tráfico de influência etc.) deve ser imenso. Basta lembrar que convenceram as autoridades (in)competentes nacionais de que não estavam violentando normas que regulam a formação de monopólios ao agregar Brahma e Antártica -o que constituiria então cerca de 70% do consumo nacional- com o argumento de que só assim poderiam concorrer no mercado globalizado. Mas depois foram gostosamente absorvidas por uma multinacional do ramo, certamente uma forma sutil de realizar a concorrência prometida. E não foi tomada nenhuma providência.
Aliás, sempre que aparecia no cenário uma empresa nascente que, pela qualidade, pudesse despertar no brasileiro uma eventual discriminação quanto ao sabor, era ela acuada por todos os meios possíveis e finalmente absorvida, e sua produção, reduzida ao mesmo nível da mediocridade dos produtos das duas gigantes.
Aparentemente, o receio era o de que a população cervejeira, ao ser exposta a diferentes e mais sofisticados exemplos, desenvolvesse algum bom gosto e, consequentemente, passasse a demandar cerveja de qualidade.
A cerveja brasileira (com pequenas e honrosas exceções) é como pão de forma: mata a sede, mas não satisfaz o paladar exigente.
Para esclarecer a questão da má qualidade da cerveja brasileira, vamos fazer alguns cálculos.
A produção nacional de cevada tem ficado nos últimos anos entre 200 mil e 250 mil toneladas, das quais entre 60% e 80% são aproveitados pela indústria cervejeira. Essa produção agrícola tem sido suplementada por importação de quantidade equivalente. Em média, portanto, cerca de 400 mil toneladas de cevada são consumidas na indústria da cerveja no Brasil, presumindo-se que quase toda a importação tenha essa finalidade.
O índice de conversão entre a cevada e o álcool é, em média, de 220 litros por tonelada. Como as cervejas brasileiras têm um teor de álcool de 5%, podemos concluir que seria necessário que houvesse pelo menos seis vezes a quantidade de cevada hoje disponível para a indústria nacional da cerveja. Portanto, a menos que um fenômeno semelhante àquele do "milagre da multiplicação dos pães" esteja ocorrendo, o álcool proveniente da cevada na cerveja brasileira representa cerca de 15% do total.
Há pouco mais de duas décadas foi publicado um relatório de uma tradicional instituição científica do Estado de São Paulo segundo o qual análises de cervejas brasileiras mostravam que um pouco menos que 50% do conteúdo da bebida era proveniente de milho (obviamente sem considerar a água contida).
Como o índice de conversão de grão em álcool para o milho é 80% maior que para a cevada, podemos considerar que a conclusão do relatório em questão atua como álibi, pois satisfaria normas vigentes. Isso também explica a preferência dos produtores de cerveja pelo milho, pois os preços da tonelada dos dois cereais são aproximadamente os mesmos, apesar de consideráveis oscilações.
Esses números permitem, todavia, concluir que o milho (e outros eventuais cereais que não a cevada) constitui, em peso, quase três quartos da matéria-prima da cerveja brasileira, revelando sua vocação para homogeneização e crescente vulgaridade.
Outro determinante da baixa qualidade da cerveja brasileira é a adição de aditivos químicos para a conservação. O mal não está só nessa condição, mas na sua necessidade. O lúpulo em cervejas de qualidade, sejam "lagers", sejam "ales", é o componente responsável pela conservação -além, obviamente, de suas qualidades de paladar.
Depreende-se daí que os concentrados de lúpulo usados na cerveja brasileira são de baixa qualidade. O que é inexplicável e de lamentar, entretanto, é que as autoridades brasileiras, tão zelosas para com alimentos corriqueiros, sejam tão omissas quando se trata da bebida nacional mais popular e de maior consumo e permitam que o cidadão brasileiro beba gato por lebre.



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ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha .

Bebendo gato por lebre


A cerveja e o orgulho de quem faz o melhor
SILVIO LUIZ REICHERT


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A indústria brasileira de cerveja zela pela qualidade de seu produto. Ela sabe que seu consumidor é exigente e tem muito bom gosto
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EM ARTIGO publicado no dia 18 ("A cerveja: bebendo gato por lebre"), o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite atacou duramente a indústria brasileira de cerveja, lançando mão de argumentos ora incorretos, ora infundados, mas sempre injustos. Argumentos que precisam ser refutados em nome de um setor que goza da confiança e da preferência de milhões de consumidores, que foram inaceitavelmente desinformardos.
Para deixar claro que não aprecia o produto que é feito no Brasil e consumido e aprovado pelos brasileiros, o autor se vale de números errados e premissas levianas que não levam à conclusão por ele desejada, a de que a cerveja brasileira é ruim porque elaborada de maneira enganosa, na base da "malandragem", utilizando-se de produtos de baixa qualidade, ludibriando o consumidor e afastando-o do que o autor considera "bom gosto".
A indústria nacional de cerveja possui tradição de mais de cem anos e tem orgulho de produzir bebidas de altíssima qualidade, assumidamente mais leves, menos encorpadas, mais refrescantes, mais digestivas do que similares europeias e condizente com o clima brasileiro e com o que deseja o consumidor.
Ao contrário do que dá a entender o artigo, as grandes cervejarias obedecem à legislação brasileira, que determina que a porcentagem de malte (cevada submetida a processo controlado de germinação) contido no extrato que dá origem à bebida não pode ser menor do que 55%.
Os demais cereais que o mestre cervejeiro usa nas fórmulas, dentro da lei e das boas práticas da profissão e da produção, são não maltados, ao contrário do que diz o autor, e empregados para alcançar as características que se pretende: mais malte é igual a cerveja mais encorpada e mais pesada; menos malte (respeitando o mínimo de 55%) é igual a cerveja leve, refrescante, suave.
A segunda e incompreensível incorreção do físico vem no bojo de conta que ele faz para tentar convencer que a cerveja fabricada no Brasil utiliza outros produtos que não a cevada para ludibriar o consumidor. Prova: o Brasil não produz nem importa cevada suficiente para dar conta da demanda de malte dos fabricantes. De fato, não mesmo. Tanto que a maior parte do malte utilizado pelas grandes indústrias, algo em torno de 65% ou mais, é importado. Mas isso não entrou na conta do autor.
Da mesma forma, ele desconsidera que mais malte ou menos malte na cerveja é antes de tudo uma opção do mestre cervejeiro na formulação de seu produto. Em algumas marcas de grande penetração no nosso mercado, esse percentual chega a 100%. Trata-se de opção técnica, cujo único objetivo é justamente produzir um produto de acordo com a preferência do consumidor, nunca enganá-lo.
Claro que há gosto para tudo, tanto que fabricantes nacionais mantêm em seu portfólio inúmeras marcas importadas, belgas, alemãs e outras.
Mas essas marcas ocupam uma faixa inexpressiva do mercado, por um motivo muito simples: a imensa maioria prefere a cerveja brasileira.
Ainda para tentar convencer o leitor de que a "má qualidade" origina-se na opção por produtos ruins, o autor comete mais um erro: afirma que o índice de conversão do grão de milho em álcool é maior que o da cevada. Trata-se exatamente do oposto: a cevada tem rendimento de 67% na composição do extrato originário da cerveja, enquanto o milho atinge apenas 56% de rendimento.
Há ainda a contestar um argumento leviano e duplamente incorreto. O autor diz que a tal "má qualidade" seria, também, decorrência da utilização de conservantes químicos. As cervejarias brasileiras de primeira linha não usam conservante por dois motivos: primeiro, porque é ilegal, trata-se de prática vetada pela legislação; segundo, porque totalmente desnecessário, já que a conservação da cerveja de boa qualidade é garantida pelo seu próprio processo de fabricação.
Por fim, o autor mira suas baterias contra o lúpulo utilizado no Brasil, também este de "baixa qualidade".
Talvez ele não saiba que o produto é importado da Europa (onde é utilizado inclusive no fabrico das cervejas alemãs, por ele citadas) e dos EUA, que mantêm rígidos padrões de qualidade para o produto.
Esse nível de desinformação se choca frontalmente com o patamar de excelência em que se encontra a indústria brasileira de cerveja. Trata-se de um setor que investe permanentemente em pesquisa e inovação, dispõe das mais modernas tecnologias e zela pela qualidade de seu produto porque tem plena consciência de que, diferentemente do que pensa o autor do artigo, seu consumidor é exigente e tem muito bom gosto.



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SILVIO LUIZ REICHERT, químico, mestre cervejeiro pela Doemens Fachakademie, da Alemanha, é vice-presidente de Inovação e Desenvolvimento Tecnológico da Anheuser-Busch Inbev.

A razão de beber Whiskey 12 anos






Cezar Leite é um dos maiores físicos desse país. Ele sabe o que está falando.

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Cerveja: o orgulho de quem fatura mais
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE


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Por que as cervejas belgas, inglesas e alemãs que usam lúpulo de boa qualidade não precisam de antioxidantes e estabilizantes?
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EM TEXTO anônimo, assinado por um certo Silvio Luiz Reichert e intitulado "A cerveja e o orgulho de quem faz o melhor" (30/ 12), a multinacional de capital estrangeiro Anheuser-Busch Inbev, proprietária da AmBev, responde ao meu artigo "A cerveja: bebendo gato por lebre" (18/12/09).
Entretanto, não responde à principal acusação, a saber, o engodo de que foi vítima o governo e o povo brasileiro pela fusão Antártica-Brahma, quebrando princípios e a legislação contra a formação de cartéis com a desculpa de que, fundidas, poderiam enfrentar a competição com multinacionais -para ser o cartel, em seguida, absorvido por empresa estrangeira. Também não foi explicada a prática perversa de coação a cervejarias nascentes para depois absorvê-las e aniquilá-las ou banalizar seus produtos. Pois bem, a mentira tem muitas faces, como se vê em seguida.
1) Maranhão, mentira bem urdida (padre Vieira, "Quinto Domingo da Quaresma"). Diz o echadiço que "a maior parte do malte utilizado pelas grandes indústrias, algo em torno de 65% ou mais, é importado. Mas isso não entrou na conta do autor". Ora, ou o trombeta não sabe ler, ou é intelectualmente apoucado, ou é mal-intencionado, ou os três, pois foi exatamente com a soma da cevada produzida no Brasil com a importada que foram feitas as minhas contas.
2) Patranha, mentira para tolos, crédulos. Afirmei e reafirmo aqui que a taxa de conversão da cevada em álcool é de 0,216 L/kg, e de milho em álcool é de 0,388 L/kg. E o sofista responde com as taxas de rendimento "na composição do extrato originário", o que nada tem a ver com conversão em álcool. Os dados, em todo caso, podem ser encontrados por exemplo no estudo "Culturas energéticas e o etanol", de Tiago Mateus. O leitor interessado também pode encontrar os dados de importação e exportação em www.cnpt.embrapa.br ou www.quercus.pt e com isso repetir os meus cálculos. Cuidado, deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), pois está sendo ultrapassado desavergonhadamente em seu recorde mundial.
3) Inverdade, eufemismo (Machado de Assis, "A Semana"). Diz o buzina que "as cervejarias brasileiras de primeira linha não usam conservante (...) porque é ilegal". Será que a legislação brasileira é diferente para cervejas de segunda linha? E quais são as cervejas de segunda linha que, de acordo com a legislação brasileira, podem legalmente intoxicar os brasileiros com conservantes?
4) Embuste, quando é calculada para enganar. Diz o passavante que conservantes não são usados por serem desnecessários. Então para que servem o antioxidante INS 315 e o estabilizante INS 405, como se lê em letras miúdas de quase todos os rótulos de cervejas da AmBev e das demais cervejarias nacionais? Será que a mudança de nomenclatura de "conservante" por seu sinônimo, "estabilizante", satisfaz o legislador brasileiro? Será que o sarabatana estaria chamando o brasileiro de analfabeto, incapaz de ler o rótulo, ou de idiota, pois incapaz de entender o que lê?
5) Patarata é mentira com basófia, ostentação. Diz o estafeta que o lúpulo que é usado no Brasil vem da Alemanha e dos EUA e, portanto, é tão bom quanto o usado naqueles países.
Mais uma vez ofende a inteligência do leitor da Folha e do brasileiro em geral. Importamos vinhos de excelente e de péssima qualidade da França, da Itália etc. Os de baixa qualidade são mais baratos. Importamos bons e péssimos filmes dos EUA.
A diversidade da qualidade do lúpulo alemão é, reconhecidamente, enorme. As cervejas americanas são quase tão "leves, refrescantes e digestivas" e homogeneamente banais quanto as brasileiras. Que o leitor experimente uma dessas vulgares cervejas americanas. (Aliás, se alguém precisa de digestivo, é melhor tomar sal de fruta Eno do que cerveja da AmBev. E o gosto não é muito diferente). Então por que as boas cervejas belgas, inglesas e alemãs que usam lúpulo de boa qualidade não precisam de antioxidantes e estabilizantes?
6) Intrujice, quando se abusa da credulidade de fraternos. E, agora, o maior dos sofismas, o abuso repugnante de um sentimento de brasilidade dentro da mesma técnica que a AmBev elabora suas indecorosas propagandas televisivas, que induzem o cidadão desavisado a consumir suas cervejas pela associação com objetos de desejos primitivos: carros de luxo, mulheres seminuas, fartos banquetes, ou seja, a peta da promessa de sucesso.
Os pífios argumentos do recadista apenas comprovam o baixo nível ético da empresa que o emprega.



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ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE , 78, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron) e membro do Conselho Editorial da Folha .

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Sérgio Cabral W. Bush

Dois artigos da Folha hoje relacionam a ação do Cabral, quando a chuva já havia matado mais de 30 (foram mais de 70 até agora), com a apatia do Bush quando o Katrina acabou com New Orleans.

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ELIO GASPARI

O choque de ordem de Maria Moita
Vinicius de Moraes ensinou o caminho a Cabral: "Pôr pra trabalhar Gente que nunca trabalhou"


O RIO DE JANEIRO precisa de um choque de ordem. Em pouco mais de 24 horas o governador Sérgio Cabral passou do descaso à empulhação e assumiu uma postura de dragão de festa chinesa para rebater as críticas de que sumira diante das tragédias de Angra dos Reis e da Ilha Grande.
Cabral anunciara que passaria a última noite de 2009 em sua casa de Mangaratiba. Dispondo de acesso a uma marina, estava a 40 minutos da praia do Bananal ou da encosta da Carioca. Por terra, são 57 quilômetros, lembrou o repórter Ricardo Noblat, que passou o dia 1º procurando-o.
O tempo consumido por Cabral para chegar a Angra seria justificável se os desmoronamentos tivessem ocorrido em abril passado, quando estava de férias em Paris. Caso tivesse recebido a notícia no hotel (o George 5º, apreciado por Greta Garbo) no início da manhã, teria como pousar no Galeão no meio da madrugada seguinte, debaixo de aplausos.
Sempre que um governante entra atrasado na cronologia de uma catástrofe, procura oferecer uma explicação racional. George Bush está explicando até hoje por que acordou tarde no episódio do furacão Katrina, que devastou Nova Orleans em 2005. Cabral justificou-se com uma aula de ciência política autocongratulatória:
- Tenho discernimento e seriedade. Em uma situação de crise, quem tem que estar no local são as autoridades que de fato podem assumir o comando do problema. Você jamais vai me ver fazendo demagogia. No momento de crise, estavam aqui os dois secretários da pasta. Qualquer exploração política a respeito chega a ser um deboche com a população. Isso é ridículo.
Ridículo é pagar impostos para ouvir coisas desse tipo. Se não havia o que fazer na região do desastre na quarta-feira, por que ele foi lá na quinta? Discernimento? Seriedade? Demagogia? Pode-se dizer o que se queira do marechal-presidente Castello Branco (1964-1967), menos que ele fosse bonito ou demagogo. Pois na enchente de 1966 ele foi à rua de Laranjeiras onde desabara um edifício.
Cabral saiu do ar na quarta-feira, dia 31. Às 15h daquele dia estavam confirmadas as mortes de 19 pessoas na Baixada Fluminense e em Jacarepaguá, com pelo menos 600 desabrigados. (No dia seguinte seriam 4.000.)
Admita-se que as visitas a locais de desastres (todas, inclusive as do papa) são gestos simbólicos, pois o que conta é a qualidade da gestão.
Nesse aspecto, a de Cabral é pré-diluviana. Em 2009 seu Orçamento tinha R$ 152,7 milhões alocados para obras de controle de inundações.
Numa conta, de seus técnicos, gastou 67% desse valor. Noutra conta, gastou nada.
Se não fez o que devia, o que não devia fez. Em junho, o governador afrouxou as normas de proteção ambiental da região do litoral e das ilhas de Angra, beneficiando sobretudo o andar de cima e seu mercado imobiliário. O Ministério Público entrou na briga e o caso está na mesa do procurador-geral Roberto Gurgel.
O choque de ordem de marquetagem que Cabral, seu prefeito e sua polícia aplicam espetaculosamente no Rio de Janeiro vale de cima para baixo. Pega mijões, camelôs e barraqueiros. O alvo é sempre o "outro".
Um dia, virá o choque de Maria Moita, trazido por Vinicius de Moraes e Carlos Lyra:
"Pôr pra trabalhar Gente que nunca trabalhou".

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MÁRIO MAGALHÃES

Baixou o Bush, do Katrina
A VANÇAVA A contabilidade fúnebre no derradeiro dia de 2009 quando, no comecinho da tarde, indagaram um secretário municipal do Rio sobre o Réveillon. Ele rasgou o sorriso e festejou na TV: "Mudou nada, tá tudo certo!". Um repórter emendou, efusivo: com chuva ou sem chuva, "a festa tem que continuar!". Ao tripudiar da dor alheia, cunhou um desses enganos que degradam o jornalismo.
A conta dos mortos no Estado na quarta e na quinta-feira fecharia em 19, a maioria na capital, e quase a metade de crianças. Sobreveio a desgraça em Angra nos Reis na madrugada seguinte. O Estado somava ontem 74 vidas abatidas desde o dia 30 pelo aguaceiro.
A crônica do dar de ombros lustrou-se com Sérgio Cabral. Na quinta, 31, sua assessoria informou que ele permaneceria na casa de veraneio em Mangaratiba.
Logo o infortúnio castigou sua vizinhança, a dezenas de quilômetros, em Angra. Nem por isso, na sexta, o governador moveu-se ao morro da Carioca e à Ilha Grande.
Surgiu no sábado e cantou de galo: não é demagogo para estar onde quem deve agir nas primeiras 24 horas são os técnicos.
Abraçou o presidente Bush ausente no furacão Katrina de 2005 e rejeitou o suor do prefeito Giuliani no 11 de Setembro de 2001.
Ridicularizou o aliado Eduardo Paes, que na quinta de manhã já visitava as vítimas na zona norte carioca, concedendo um descanso ao furor marqueteiro do dito choque de ordem.
O mesmo prefeito cuja administração não foi capaz de identificar risco nos terrenos dos desabamentos e cujos desembolsos com publicidade dispararam, quem sabe à falta de outra prioridade.
Cabral vangloriou-se: dobrou as áreas de conservação, para restringir novas edificações, e vai radicalizar essa política.
Calou acerca do não cumprimento dos gastos previstos para combater inundações -notórias fontes de tragédias- na Baixada Fluminense e para prevenir calamidades no Estado.
Pareceu esquecer que no ano passado autorizou normas mais brandas para ocupar e construir em Angra, nas encostas em que deslizamentos matam.
A presença do governante não se destina a substituir o trabalho heroico de bombeiros e servidores da Defesa Civil, mas a demonstrar determinação pública em socorrer, amparar e prover meios de sobrevivência, ainda que o flagelo tantas vezes se origine de ausência do Estado. Encarna o comando da ação e estimula o empenho coletivo. Dá exemplo.
Nesse episódio, Cabral fez pelo menos um seguidor: até ontem à tarde, sua secretária de Assistência Social, Benedita da Silva, não fora vista em Angra.




(J.S.)