quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Roosevelt - provocador

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Tiros na Roosevelt

SÃO PAULO - Por obra de uma inusitada e persistente ocupação de grupos teatrais, a praça Roosevelt, no centro da cidade, se converteu num lugar de rara vitalidade artística. Existem hoje ali, vizinhos da prostituição, rodeados pelo tráfico e misturados aos moradores de rua, mais de 30 grupos, apresentando-se, em variados horários, em sete salas de teatro, onde há bares contíguos, além de uma livraria.
É uma experiência coletiva que desafia o processo de degradação do centro. E está na contramão do teatrão empresarial, das salas protegidas dos shopping centers, das casas de espetáculos com nome de banco -da gestão mercadista da cultura que visa reduzi-la a uma espécie de academia de ginástica para a alma.
À margem de tempos tão caretas, a Roosevelt se tornou um espaço de convívio boêmio, um caldeirão cultural com inegável vocação democrática. O assalto do sábado, no qual o dramaturgo Mário Bortolotto foi baleado -e felizmente se recupera bem-, inflamou debates e polêmicas sobre a vida e o futuro da praça.
Estigmatizar o local seria o maior equívoco. Mas há também o risco oposto. Sim, é o caso de exigir do Estado melhores condições de segurança, mas não mais do que para o resto da cidade. Revitalizar o espaço sem excluir socialmente não é o difícil desafio que desde o início anima os que ali se instalaram?
Ninguém deve morrer baleado -na Roosevelt ou em outra parte-, mas a relevância do que se passa lá depende da sua conexão com a sujeira das ruas, da sua capacidade de dramatizar a cidade conflagrada.
Que se pense, por exemplo, na Sala São Paulo, a casa da Osesp, orgulho paulistano. Ela fica no coração da cracolândia. Na geografia mental da burguesia que a frequenta, o templo da música não se localiza no centro, mas numa imaginária estação final, à qual se chega de carro, de preferência blindado, e de onde se sai logo depois de saciar o espírito, sem arriscar contato com o entorno. Quem seria louco de passear na região da futura Nova Luz? Há exemplo mais cabal de apartheid social -ou de cidade conflagrada?

Um comentário:

  1. É interessante como todos dão uma ênfase ao fato de o dramaturgo ter sido baleado, mas ninguém comenta da idiotice da tentativa de reagir ao assalto.

    E digo mais: esse evento só tem essa exposição, essa mobilização, essa movimentação da burguesia e elite cultural porque o alvo da bala foi um dramaturgo de renome. Se EU fosse o alvo do tiro, garanto que haveria apenas uma nota nos jornais pelegos de São Paulo e que tudo seria esquecido em algumas horas.

    Eu estaria enterrado, em paz, e o mundo continuando a pegar fogo aqui em cima, com milhares de pessoas pobres, tendo que empunhar um revolver e sair por aí pra tentar sobreviver.

    Evidentemente que não estou defendendo o autor do disparo. Mas, no fundo, ele e o dramaturgo são vitimas de um inimigo maior: o estado!

    Eu gostaria de ver essa mobilização toda, esses editoriais, essa provocação toda, clamando por uma mudança no sistema de produção, nas mazelas e nas injustiças cometidas Brazil afora. Injustiças estas que a burguesia consegue viver sem peso na consciência.

    Uma criança ter que se submeter a pedir esmola na rua é normal. O burguês até dá uma moedinha e diz: - coitado! não gosto de dar esmola, mas fazer o que? Agora quando a bala explode na cara dele, vai escrever editorial, botar a boca no trombone, tudo isso pra não ser tido como omisso.

    Por outro lado, também não é culpa dele. Quem cresceu num contexto onde o lucro é a lógica, o dinheiro move montanhas, num sistema meritocrático e excludente por natureza, também é mais vítima do que carrasco.

    Eliseo Ramalho

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