quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Marina, morena, não pinte esse rosto

Marina, você já é bonita


"Eu fiquei envergonhado, porque estamos dando as costas para a sociedade brasileira. Por isso vou buscar a possibilidade de sair do partido".

A frase é do senador paranaense e petista Flávio Arns. O motivo? A cúpula do Partido dos Trabalhadores resolveu manobrar pelo arquivamento das acusações contra o presidente do Senado, José Sarney.

Ontem o paulista Aloízio Mercadante ameaçou colocar o cargo de líder do PT no Senado à disposição, caso fosse obrigado pela cúpula do partido a manobrar pelo pobre judeu do Maranhão que tem um apartamentozinho de 85 metros quadrados em São Paulo. Hoje, isolado, Mercadante voltou atrás.

A senadora Marina Silva, do Acre, não voltou. Deixou hoje o PT, exatamente um ano, três meses e seis dias depois de pedir demissão do cargo de ministra do Meio Ambiente, que ocupou desde que Lula assumiu a presidência deste país, em 1° de janeiro de 2003.

Foram 30 anos no partido. O Ministério deixou por divergências com Reinhold Stephanes (Agricultura) e Dilma Rousseff (Casa Civil) -- provável adversária nas urnas em 2010. O PT deixa porque ainda tem coragem, marca do passado deste partido que tão bem fez ao país.

Me lembro quando criança de ir à escola com meus pais para votar. Em casa, ficava torcendo em frente à TV pelo candidato petista. Qualquer que fosse, não os conhecia, claro. Mas confiava nos meus pais. E era contagiante. Sair às ruas num domingo de eleição era como dia de final de campeonato. As pessoas levavam bandeiras, se vestiam de vermelho, entoavam cantos.

Quando fiz 16 anos, em 2000, tirei meu título de eleitor. Votei na Marta em São Paulo. Ela foi prefeita do ano seguinte até 2004. Em 2002, votei no Lula. Pé quente à beça! Fui à Paulista comemorar. A avenida mais paulistana de todas elas ficou vermelha, assim como ficava preta e branca nos títulos do Corinthians, verde nos do Palmeiras, e tricolor em preto, vermelho e branco nos do São Paulo.

Marcante. Todos cantavam, dançavam e sorriam, num êxtase coletivo. Alguns até choravam. Foi a primeira e única vez que vi um discurso do Lula. Acreditei em tudo aquilo. E era mesmo tudo verdadeiro.

Dois anos depois já não votava mais no PT em primeiro turno, só no segundo, adepto do tal voto útil.

Hoje, como o Arns, me sinto envergonhado. Não apenas, porém, pelo ocorrido nesta quarta-feira no Senado. É uma sucessão de fatos que me fizeram decidir por votar nulo. Agora, sempre. Até que apareça coisa melhor.

Minhas convicções não mudam. Continuo achando o Lula o melhor estadista de nossos tempos, o Sarney a grande representação do câncer político que deixa o Brasil na UTI “full time”, o tucanato a pior espécie de político da humanidade, e me indigno com quem vota em Democrata -- vulgo pefelista, arenista, como preferir.

Só que a capacidade do PT (aqui, evidentemente, se inclui o Lula) de “virar as costas pra sociedade brasileira”, se lixando para a opinião pública, tudo em prol de uma eleição, me cheira muito mais aquela vontade de se perpetuar no poder pelo simples fato de mandar, do que realmente querer ficar mais quatro anos no comando “pelo povo”.

A saída da Marina da legenda me entristece, assim como quando ela enviou a carta de demissão ao presidente Lula. E se torna um marco do meu “desligamento” do PT (em tempo: nunca fui afiliado a nenhum partido).

Sou fã desta mulher que leva consigo uma das características mais importantes do homem: a dignidade.









João Santos

3 comentários:

  1. João é você? Gostei muito do texto, pois tem um movimento pendular entre o pessoal e o político, bem dosado.

    Diferente de textos que lemos em outros sites, nos quais os péssimos pseudo-escritores escondem suas opiniões pessoais em discursos vazios com fatos duvidosos e citações descabidas.

    Concordo com as colocações. Uma única ressalva.

    Apesar de admirar a Marina, temos que reconhecer que é evangêlica (quase virou freira quando ainda católica) e é contra o aborto, infelizmente, não teremos essa discussão nas eleições.

    Adalberto

    ResponderExcluir
  2. A João Santos e Adalberto:

    Belo texto, João. Não só pela coerência de idéias e coesão de estrutura, mas também pela abordagem e exposição sintética de uma realidade que nos aflige. Fez-me ler em suas palavras algo que poderia ter saído de minha cabeça. As memórias que você retratou como sendo suas habitam, certamente, o imaginário (consciente ou não) de muitos cidadãos de nossa geração - também fiz dezesseis anos em 2000.
    Acho importante Adalberto ressaltar o caráter religioso da ex-ministra e as implicações políticas a que essa variável nos remete, fazendo-nos lembrar que embora símbolo de mulher corajosa e idealista, Marina é, também, sucetível a deslizes inerentes a nossa condição humana. A religião, qualquer que seja, faz-nos pensar de forma turva, mascara a realidade. Marina Silva e Heloísa Helena, outra mulher que admiro por sua postura política, deveriam repensar temas ligados a religião, como o aborto, muito bem lembrado por Adalberto.

    Severino Cândido

    ResponderExcluir