quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Pré-sal

Regime de partilha é opção de regiões onde política é instável
A febre do petróleo não é nossa

O novo marco regulatório para a produção do pré sal ainda está longe de um consenso
Na última segunda-feira, o Governo divulgou a proposta para o novo marco regulatório aplicável à camada pré-sal e outras áreas estratégicas, que tem como base a adoção do contrato de partilha de produção, com a criação de uma nova estatal detida 100% pela União e com a garantia de posição privilegiada à Petrobras.
A escolha do regime contratual em países com grandes reservas de petróleo e gás é sempre foco de divergência política, com fortes repercussões para a população em geral. Os conceitos envolvidos nessa decisão têm acentuada complexidade, mas seus fundamentos são a criação de um sistema que maximize a apropriação, por parte do estado, das rendas advindas da exploração dos seus recursos minerais (chamado government take); que garanta certo nível de controle sobre a velocidade da exploração e a destinação da produção e, finalmente, que não prejudique a atratividade do modelo para os investidores privados. A pergunta que resta, portanto, é se a opção escolhida pelo Governo é a mais eficiente para a sociedade brasileira.
A resposta não é tão simples quanto parece. Diferentemente do que vem sendo dito no Brasil, não há relação entre modelo de contratação e risco geológico, ou seja, a existência de menor risco geológico não implica na utilização do contrato de partilha, ou do contrato de serviço, e na exclusão do contrato de concessão. Por outro lado, existe uma relação inversa entre risco geológico e government take, isto é, quanto mais certa é a existência dos recursos minerais, maior a fatia da receita decorrente da produção do petróleo e gás que deve ser destinada ao estado.
A escolha da forma certa de arrecadação dessa fatia pode significar uma bênção para a sociedade, mas também apresenta riscos. Alguns países ricos em petróleo e gás têm sido incapazes de promover o desenvolvimento de suas reservas e suas populações permanecem no aguardo dos benefícios resultantes da abundância desses recursos. México, Rússia, Síria, Venezuela, Equador e Bolívia, por exemplo, em anos recentes, sofreram queda no número de novas perfurações e praticamente não acrescentaram novas reservas aos seus portfólios.
Em sua versão tradicional, o contrato de partilha busca suprir a instabilidade política, sendo utilizado usualmente em países em desenvolvimento que não têm um arcabouço normativo específico para os setores do petróleo e gás, e cuja fragilidade institucional e falta de experiência legislativa não permitem sua criação. Nesses países, geralmente não existe um regime fiscal de petróleo estabelecido, o know-how sobre as atividades da indústria é incipiente e não há uma estatal de petróleo devidamente organizada, necessitando que todos, ou quase todos, os termos da relação entre estado e investidor constem em contrato.
Essa realidade não se aplica ao caso brasileiro e as razões levantadas para a aplicação do contrato de partilha pelo Governo são outras: aumentar a captação do government take; e reforçar o controle sobre a produção.
Ao contrário do que vem sendo dito no Brasil, contudo, o contrato de partilha não privilegia necessariamente uma maior captação do government take. As obrigações criadas pelo contrato de partilha geram custos que, de outra maneira, poderiam ser arrecadados como government take. Um exemplo, são os custos com a administração da nova empresa estatal, que poderiam ser economizados na inexistência desta. Outro, é a questão de bookable reserves. Uma vez que o investidor não pode contabilizar as reservas detidas pelo estado, o regime acaba se tornando menos atrativo e, portanto, impactando no government take que ele estaria disposto a suportar.
A escolha da Petrobras como operadora exclusiva do pré-sal também resulta em custos. O direito de operação dos blocos é similar ao controle de uma sociedade e, portanto, existe um preço adicional a ser pago pela sua aquisição, chamado control premium, o que não será cobrado da Petrobras, de acordo com os termos da proposta do Governo. Ademais, os investidores privados entendem que a burocracia governamental resulta em ineficiências para as operações e, por isso, poderão aplicar uma taxa de desconto no preço a ser pago pelo direito exploratório em função da parceria obrigatória com a Petro-Sal e a Petrobras.
Pesquisa realizada por um professor da Universidade de Dundee, na Escócia, dentre os países com melhor potencial geológico para exploração de petróleo e gás no mundo, aqueles que adotam o regime de concessão são os que têm em média o maior government take. Se correta, essa pesquisa questiona uma das premissas mais relevantes para o Governo.
O controle sobre a produção, por outro lado, é um ponto digno de análise mais profunda. De fato, a existência de uma estatal com participação no pré-sal pode conferir ao Governo poder direto sobre uma parcela representativa da produção nacional, sem possível intervenção de investidores privados, como pode ocorrer no caso da Petrobras. O Governo poderia, por exemplo, não vender sua parcela da produção e armazená-la como reserva estratégica. O compromisso com o conteúdo nacional, cujo controle é extremamente complicado, também é facilitado quando as compras são realizadas diretamente por uma empresa controlada pelo estado. Além disso, a existência de um operador único pode agilizar as negociações sobre unitização de blocos.
A questão é se as medidas propostas pelo Governo atendem a uma análise custo benefício, já que resultados similares poderiam ser alcançados por meio de regulação. Os custos da alteração no modelo serão inevitavelmente altos, iniciando pelo custo de oportunidade atrelado à demora nas discussões, passando pela instabilidade regulatória e finalizando com a complexidade na harmonização dos diferentes regimes dentro de uma mesma região exploratória. Cabe à sociedade tomar o melhor proveito e participar ativamente das discussões, buscando evitar custos ainda maiores, resultantes de decisões tomadas sem o devido embasamento econômico e, particularmente, jurídico. A ganância, em matéria de petróleo, nunca funcionou. A máxima deve ser sempre a de que o petróleo é nosso, mas a febre do petróleo não.
Giovani Loss e Marcelo Romanelli são Consultor do grupo de Projetos Internacionais de Petróleo e Gás de Fulbright & Jaworski LLP, em Houston, Texas, e Consultor Tributário da Deloitte LLP para área de Petróleo e Gás, em Londres, Reino Unido, respectivamente....

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