terça-feira, 10 de março de 2009

Prosaico - rascunho

Desisto de ser advogado até segunda-feira. Desço o elevador e vou em direção ao ponto de ônibus. O trânsito mostra-se caôtico. Quando chego na avenida tudo para. Nada se movimento. O ar, parado, me pressiona em seu calor melado.

Decido ir andando até meu apartamento. Uma caminhada de quarenta minutos não me faria mal. Só ficaria um pouco suado, mas poderia aproveitar para começar a esquecer as coisas mais estúpidas de nosso cotidiano.

Contudo, a caminhada seria um obstáculo. Assim que desliguei o computador havia começado a imaginar um ou dois contos. Nunca se sabe ao acerto. De qualquer forma, começo a vislumbrar possibilidades. Não conseguiria escrever andando. Nem no Blackberry, muito menos em um papel. Cansei de torcer o pé nos buracos das calçadas. Memorizo as ideias principais. Me concentro. E repito initerruptamente o desenrolar dos acontecimentos.

De repente, tenho a brilhante ideia de ligar para um amigo que ainda trabalha. Meu caro, faço um favor, anote o seguinte: Em um pequeno Bistrô renunciava a toda psicologia. Impressionante como toda vez que o encontrava esquecia que era seu pai. Despois, tudo voltava ao normal, mas enquanto falava era uma conversa viva, intensa. Não sabia se essa era uma forma de perdoá-lo pela ausência, pois na verdade, para ele sua rara presença nunca fora um problema. Seu silêncio e sua imagem sempre foram muito fortes, significantes. Sempre conversaram sobre política, pesquisa e economia. Seu pai sempre destacou a China. A China o impressionava. Falava sobre a China no contexto de desglobalização (??) e sobre a idade das trevas. E o incentivava a estudadar mandarim. Ele, por outro lado, o lembrava que aqueles que gozavam com essa ditadura, tinham sido os mesmos que criaram a crise dos papelotes, de cocaína e de crédito podre. O lembrava que ninguém havia explicado, até hoje, o motivo da estagnação econômica japonesa de uma forma convincente, o real motivo. Não hipóteses meramente verossímeis. E, reforçava, de forma sentimental, traindo seu despreendimento, que ele havia lhe ensinado a ser ácido e crítico até mesmo em situações tão óbvias....

Man, de que se trata isso? Você quer escrever uma carta ao seu velho? Nada disso, tive uma idéia. E você quer que eu transcreva um conto? Não apenas algumas frases para que ele não se perca, você sabe como são os sonhos, os devaneios. São nove horas da noite, você pode deixar um recado na minha caixa postal com suas alucinações depois eu passo a senha. Está bem.

Repasso cada uma das ideias mais uma vez e enxergo as pessoas paradas no ponto. Todas infelizes. Olham para um horizonte que não se move e paradas esperam por um ônibus que nunca chegará. Quando percebo que atrás desse ponto encontra-se um pequeno boteco. Algumas pessoas riem e tomam cerveja, não há melhor forma para esquecer as coisas mais estúpidas de nosso cotidiano do que a cerveja.

O movimento começa a me incomodar. Ou a ausência dele. Enfim, tudo está sempre em movimento, sabemos disso, mesmo quando parados. Não conseguimos. Precisamos estar em movimento. Precisamos do movimento. Mesmo parado no trânsito, mudamos a estação do rádio, ligamos para um amigo do celular, prestamos a atenção nos motoristas a nossa volta. Todos neuróticos.

Ao chegar na esquina, não consigo me mexer, o sinal fecha e todos os pedrestes passam. Eu fico, finco. Percebo que para continuar terei que voltar para aquele bar.

Adalberto Pereira

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