quinta-feira, 2 de julho de 2009

Meu pai tirou o bigode há algum tempo

Ontem fui assistir a peça Caminhos pela segunda vez. Fantástica.

Na primeira vez que assisti, imaginei falar um texto no final da peça sobre sonhos, já que nela os atores criam textos existenciais e sensoriais cujas vozes se confundem, permeiam. Naquela vez, não consegui, pois o silêncio ao final da peça foi maior do que eu tinha a dizer, quando a atriz dizia: vocês vão continuar aqui, vivendo e respirando, por algum tempo permanecerão.

Entretanto, ontem foi diferente. Após discussões com todos os provocadores sobre a situação atual eu refleti muito sobre a questão do bigode (concordo plenamente com o Eliseo, o importante é discutir a instituição, os atos secretos, mas infelizmente nisso nem o MPF quer falar, logo podemos utilizar o Sarney de forma emblemática, apesar desse movimento ser completamente impregnado do que tem de mais sujo no jogo político).

Dessa reflexão surgiu um texto, que criei durante a peça de teatro, sim, pode parecer loucura, mas tenho testemunhas. No final da peça, quando o silêncio chegou, eu achei que tinha algo mais importante para falar. Eu levantei e andei pelo teatro interpretando um texto parecido com o de abaixo. A platéia concordou. Segue o texto:

"Meu pai usava bigode. Loiro. Como a gema de um ovo. Só que mais claro. Durante muito tempo O bigode. Algo que começou na época da faculdade.

Quando nasci seu bigode era bem aparado. Lindo. Eu adorava o bigode loiro do meu pai. Como toda criança, brincava de fazer barba na frente do espelho, para imitar meu pai, mas nunca tirava o bigode.

Ele aparava, cortava com uma tesourinha o bigode. Utilizava seu pente para pentear o bigode. Ele sempre carregava seu pente consigo.

Lembra mãe, quando vocês casaram? O bigode do pai chegava até o queixo. Muito estranho. Com o cabelo cumprido ele parecia um hippie e ainda morava nos Estados Unidos. Meu pai não era hippie, era engenheiro, era apenas o seu bigode.

Ele até era chamado de "bigode", por poucos, é verdade, mas chamavam. O meu pai não era um bigode. Era o bigode.

Há uns cinco anos, meu pai teve que tirar seu bigode. Teve um problema de pele que o fez raspar o bigode. Fiquei assustado no começo. Triste. Depois percebi que meu pai era o bigode, mesmo sem ele. Tranqüilizei-me.

Durante todo o período que meu pai usou bigode, outro bigode aparecia por ai. Um bigode escroto, sujo, nojento e pesado. Uma contraposição, uma ofensa ao bigode, quer dizer, ao meu pai.

Esse bigode está debaixo de nossos narizes desde 1955. Ele está lá. De forma obscena, sufoca nossos narizes.

Por tudo que meu pai me ensinou, como ser um bigode, que eu sinto uma vontade incontrolável de arrancar, com as minhas próprias mãos, aquele bigode do Senado."

Adalberto

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