segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Gullar provocador

FERREIRA GULLAR

Por qué no te callas?

Lula fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política

MINHA GENTE , estou a cada dia mais perplexo com a performance do nosso presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não que ele tenha mudado essencialmente; nada disso, ele se comporta assim desde o primeiro dia de governo: não desce do palanque.Às vezes me pergunto se minha crescente perplexidade decorre dessa sua insistência que já dura sete anos ou de alguma outra coisa. Acho que são as duas: por um lado, já não aguento ouvi-lo falar pelos cotovelos, gesticular e postar-se como um ator num palco e, por outro, percebo-o cada vez mais à vontade para dizer o que lhe convenha, conforme o momento e conforme o público. Sem nenhum compromisso com a verdade e com a postura de um chefe de Estado.Ele não se comporta como chefe de Estado. Fala sempre em termos pessoais, ou louvando-se a si mesmo sem qualquer constrangimento ou acusando alguém, seja a imprensa, seja a oposição, sejam as classes ricas, sejam os países ricos.Estão todos contra os pobres, menos ele que, felizmente, assumiu o governo do Brasil para salvá-los, após quatro séculos de implacável perseguição. Do Descobrimento até 2003, ninguém sabe como o Brasil conseguiu sobreviver, crescer, chegar a ser a oitava economia do mundo, sem o Lula! Só pode ter sido por milagre ou qualquer outro fator inexplicável.A verdade é que, apesar de tudo, o país resistiu até o momento em que ele, Lula, chegou a tempo de salvá-lo. Isso ele afirma com uma veemência impagável, como se fosse a coisa mais óbvia e indiscutível do mundo. Sem rir, o que é mais surpreendente ainda, diante do olhar espantado de favelados, trabalhadores, funcionários públicos, aposentados.Já quando o público muda, ele também muda o discurso. Se fala para empresários, banqueiros, exportadores, a conversa é outra. Mostra-se preocupado com o crescimento da economia, com o apoio do BNDES à iniciativa privada e chega mesmo a admitir que sem os empresários o país não cresceria. E o balanço de final de ano mostra que os bancos realmente nunca ganharam tanto dinheiro como durante a gestão presidencial do fundador do Partido dos Trabalhadores, que se dizia inimigo número um deles.Joga com um pau de dois bicos, mas dá certo. Diz uma coisa para os pobres e o contrário para os ricos, mas dá certo. Tanto que a sua popularidade cresce a cada nova pesquisa de opinião. Na última delas, o índice de aprovação de seu governo alcançou mais de 70% e a dele, presidente, mais de 80%. Ele fala, fala, fala, viaja, viaja, viaja; o resto do tempo faz política. Há uma cumplicidade esquisita: Lula finge que governa, e o povão finge que acredita.Mas, infelizmente, os números da estatística não conseguem cegar-me. Pelo contrário, ao ver tamanha aprovação a um presidente da República, que busca deliberadamente engazopar a opinião pública, preocupo-me. Para onde estamos sendo arrastados? Até quando e até onde conseguirá Lula manipular a maioria dos brasileiros?Essas considerações me ocorreram ao ler o discurso que ele pronunciou, no Rio de Janeiro, na favela da Mangueira, ao inaugurar uma escola. De ensino não falou, claro, já que não lê nem escreve. Anunciou a intenção de usar prédios públicos desativados como moradia de sem-teto. E aproveitou para mostrar como os ricos odeiam os pobres: disse que os ricos da avenida Nove de Julho, em São Paulo, não querem deixar que gente pobre venha morar ali, num prédio público desocupado. "Mas nós vamos colocar, porque a moradia é um direito fundamental do ser humano." Palmas para ele!Nessa mesma linha de discurso para favelados, defendeu as obras do PAC, afirmando que a parcela mais pobre da população é que será beneficiada, e aduziu: "Quando a gente faz isso, perde apoio de determinada classe social, porque gente rica não gosta que a gente cuide muito dos pobres".O discurso, como sempre, é atrapalhado mas suficientemente claro para que a mensagem seja entendida: os ricos odeiam os pobres, que só contam com Lula para protegê-los. A conclusão é óbvia: se o Lula é o pai dos pobres, quem se opõe a ele certamente os odeia e ama os ricos.Assim como se apropriou de tudo o que antes combatera, improvisou o tal PAC, um aglomerado de projetos pré-existentes de empresas estatais, governos estaduais e municipais, que vai desde o pré-sal até a ampliação de metrôs e o trem-bala.Mas o investimento do governo federal é de apenas 0,97% do PIB, menos do que investiu FHC em 2001. Se tudo o que está ali é viável ou não, pouco importa, desde que sirva para manter Lula e Dilma sob os holofotes.

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