sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Ignorância

Fomos alimentar a alma com o que há de melhor na cidade. Sanduíche de mortadela no Mercadão e o chopp do Leo. Compramos vinho, molho de tomate, queijos, azeitonas, azeite, molho inglês e outros inúmeros ingredientes que seriam utilizados em um jantar no dia seguinte. Enquanto tomávamos o chopp na calçada do Leo algumas crianças passavam vendendo chicletes, como de costume, não compramos nada. De repente, uma menina para em nossa frente.

Moço, aquele senhor ali do fundo disse que você tem muito dinheiro e que podem comprar alguns chicletes. Abordagem inusitada para venda. Mas, meu amigo não perdeu o rumo.

Eu acho que aquele senhor tem muito mais dinheiro que nos dois juntos, muito obrigado, mas não queremos o chiclete. Moço, para que time vocês torcem? São Paulo, respondemos juntos. Bambi, tudo bambi, mais bambi que o Richarlyson...

Eu olhei para o meu amigo sem entender como havíamos chegado até aquele ponto. Não havia a menor explicação. Ela saiu, continuou a mexer com outras pessoas. Folgada essa mina. Eu concordei. E essa história de bambi, os caras não tem mais o que falar. Já cansou. Nos ganhamos e eles não podem falar nada, então, bambi pra lá, bambi pra cá.

Eu nunca poderia imaginar que essa criança era a mesma que vi há cinco anos atrás chorando na Praça da Sé. Um choro ardido que rompia a Praça ao meio. Apesar disso, as pessoas mantinham-se imunes. O guarda imune embaixo de sua farda. O pastor imune com a mão sob a bíblia. E a mãe, a mãe da criança alheia ao mundo e imersa em seu desespero. É assustador assistir a mãe ignorar o choro da própria filha.

Mesmo, após anos de indiferença, era impossível suportar aquela cena. Nenhuma retina, por mais que endurecida, é tão calejada para não reter reprimindo o esfacelamento da maternidade. A filha buscava e a mãe fugia. Uns vão dizer que é a miséria. Só se for a humana.

Até quando essa menina será ignorada. Ou, até quando ela vai deixar se ignorar.

Adalberto Pereira

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